domingo, 6 de julho de 2025


ELE PRÓPRIO SE DENUNCIOU

Há discursos que valem mais pelo que revelam do que pelo que pretendem dizer. Na sessão de 30 de junho da Câmara Municipal de Bauru, enquanto o plenário enterrava apressadamente a CEI do Fundo Social, o presidente da Casa, vereador Marcos de Souza (MDB), resolveu — talvez sem calcular o impacto — levantou o véu do assistencialismo eleitoral.
Num tom confessional, Marcos narrou o drama de um senhor com deficiência que vendia guardanapos e potes na esquina da Drogasil, pedindo ajuda durante a pandemia. Com emoção, contou que encaminhou o caso ao Fundo Social. Anos depois, o mesmo senhor recusou apoiar sua candidatura dizendo já estar “comprometido com Damares do Social”, referência à ex-assessora Damares Pavan, pivô da denúncia que a CEI arquivou.
Tudo pareceria um lamento banal sobre os efeitos do clientelismo, não fosse a sequência do discurso: Marcos acusou, com todas as letras, o uso da estrutura do Fundo Social para angariar votos, mencionando inclusive o salto de votação de Damares — de 166 votos como "Damares Pavan" em 2020 para 489 votos como "Damares do Social" em 2024, votos estes que foram se somar aos votos da coligação que elegeram a prefeita.
A denúncia — feita no calor da tribuna, mas de forma clara, objetiva e registrada — foi reconhecida imediatamente pelo vereador Eduardo Borgo, que pediu que constasse integralmente em ata. E mais: alertou para o risco jurídico da fala, uma vez que se confirmada a prática de compra de votos atrelada ao Fundo, pode comprometer toda a chapa do PSD, partido da prefeita Suéllen Rosim e de vereadores da atual legislatura.
Sim, senhoras e senhores: o presidente da Câmara, da base governista, acusou, ao vivo, em plenário, a utilização de um programa social para fins eleitorais — e ainda votou pelo arquivamento da CEI. Se não é tragédia, é comédia institucional.
A fala é relevante por dois motivos. Primeiro, porque revela que há conhecimento dentro da base da prefeita de que a máquina pública pode ter sido usada para fabricar votos. Segundo, porque o próprio presidente reconhece que nem todas as verdades foram ditas na CEI. Não por acaso, justificou seu voto com a frase clássica de quem já entregou os pontos: “voto com a minha consciência tranquila”.
Tranquila para quem?
Se há indícios de utilização do Fundo Social para campanha — e há —, se há registro da denúncia feita por um vereador — e há —, se há o reconhecimento de que beneficiários de cestas básicas se tornaram base eleitoral — e há —, o caso ultrapassa em muito os limites do regimento interno da Câmara.
É matéria para o Ministério Público Eleitoral. E mais: é caso típico de abuso de poder político e econômico, passível de cassação de mandato e invalidação de chapa, conforme previsto na Lei Complementar 64/90.
Mas talvez o mais grave não seja a denúncia em si — é o ambiente de normalização da ilegalidade. Um vereador relata o uso de programa social para alavancar candidaturas e, minutos depois, aprova-se o arquivamento de uma comissão que deveria justamente investigar o uso irregular do Fundo.
Marcos, ao contar sua história, pode ter aberto uma brecha jurídica que nem ele imagina. E Eduardo Borgo, atento, fez o que qualquer parlamentar responsável faria: solicitou o registro da fala como potencial prova. Porque quando a omissão é o padrão, o simples ato de escrever o que foi dito já é um gesto de resistência.
Resta saber se o Ministério Público — agora instado formalmente — terá coragem institucional para ir além da ata e seguir o rastro do voto que começa com uma cesta e termina em 489 promessas.
Em Bauru, parece que não foi a oposição quem denunciou a base. Foi a própria base quem tropeçou na verdade.
Fernando Redondo

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