TARSO DE CASTRO, HOJE SÓ QUERO ESCREVER DESTE JORNALISTATarso é meu velho conhecido. Quando tinha 13 anos, idos de 1973, conheci o hebdomadário O Pasquim, aquele semanário que fez a minha cabeça e a de tantos outros. Naqueles idos, Tarso já havia brigado feio com a turma do jornal, que ele criou e fez acontecer no seu vertiginoso início. Esse gaúcho sempre fez a minha cabeça, muito pela quantidade de jornais que conseguia criar – e depois, destruir ao mesmo tempo. Foram muitos e todos eles vendendo em Bauru, daí, comprava todos, inclusive um que, colecionei, pelo menos na fase mais alvissareira, que depois vim a saber foi quando ele esteve na direção. Trata-se do Folhetim, suplemento semanal, saindo aos sábados encartado junto da Folha de SP. Eu me deliciava com o estilo destes jornais. Tanto o Pasquim como o Folhetim, só vim a saber serem crias do Tarso muito tempo depois. Na época não dava muita bola para seu nome, mas o jeito que aqueles órgãos de imprensa eram tocados, o linguajar sempre me fascinaram.
Isso tudo para contar-lhes outra história. Coisa de um mês atrás, recebo via Messenger um pedido para um livro, o “TARSO DE CASTRO 75 KG DE MÚSCULO E FÚRIA”, de alguém que achava conhecia, mas não sabia de onde, o jornalista TOM CARDOSO. Eu havia feito um comentário numa postagem dele no Facebook sobre seu livro e ele foi rápido no gatilho: “Se comprar diretamente com o autor ganha dedicatória, R$ 85 com o frete incluído”. Demorei uma semana e lhe envio o PIX. Passaram-se mais de dez dias e nada do livro chegar. Fui pra Sampa passar quatro dias batendo perna, foi quando o procurei e disse poderia buscar o livro em sua casa. Ele não regateia, passa o endereço e diz estar na portaria. Busco e começo a ler já no metrô, enfim, a história de Tarso é mais do que inebriante, exatamente como ele me prescreveu na dedicatória: “Henrique, um dia o jornalismo brasileiro existiu. Abraço! Tom”. Chego em casa e passo vergonha, pois o que havia me enviado chegou. Até o momento não devolvi o extra e como já prometi para alguns diletos amigos, todos conhecendo algo da trajetória do Tarso, não sei se devolvo ou presenteio alguém. De uma coisa tenho certeza, Tarso não devolveria e passaria adiante o extra.
Agora, feito essas preliminares, vamos ao livro do Tom propriamente dito. Terminei sua leitura nessa madrugada. Só não o li numa só respirada, pelo simples fato de ler vários ao mesmo tempo, todos saborosos, desde o momento quando completando 65 anos, ter tomado a decisão de não mais ler nada rebuscado, ou seja, aqueles tratados acadêmicos de difícil assimilação. Fico em algo de sabor inenarrável, como a escrita do Tom. É o que minha cansada mente, chips todos quase vencidos, ainda conseguem decifrar e assimilar. No momento, abertos aqui do meu lado um antigo do Plinio Marcos, outro de Entrevistas d’O Pasquim, o Plim-Plim do Paulo Henrique Amorim e o Orgias, do Luis Fernando Verissimo. Se nenhum outro passar à frente destes, estes serão os próximos a serem degustados. Este do Tom, lançado pela Editora Rua do Sabão SP, 2ª edição, 2005/2023, 216 páginas é destes, pelos quais ao estar junto dele, não quero mais me separar, passando a ter relação incestuosa com o dito cujo.
Primeiro queria lembrar algo da importância do jornalismo praticado pelo Tarso de Castro (1941/1991), em toda sua atribulada e agitada vida. O que se sabe dele, o trivial é ter sido um mulherengo, bebendo até não mais poder, amante quase indissolúvel de Leonel Brizola e criador de casos. Isso tudo é verdade, mas algo se sobressai e é inquestionável. Em todas as publicações onde esteve metido o nome Tarso de Castro, a coisa fluiu com uma independência, dessas não mais possíveis nos dias atuais e comprovando algo que o Tom prescreveu em sua dedicatória. Não se faz mais jornalistas como ele, ou melhor, se fazem sim, existem muitos bons pela aí, mas quando escrevendo para a mídia massiva, onde tudo é publicado somente após passar pelo crivo do dono do jornal, só se publica o que lhes interessa e, desta forma, a verdade factual dos fatos é deixada de lado. Com Tarso não tinha disso não. Ele fez algo meio que inimaginável nos tempos atuais, batia de frente com donos de jornais e não só escrevia o que queria, como até contra o dono da publicação. Ele até podia passar dos limites, mas nunca algo comparável com a bestialidade dos que hoje reclamam da falta da tal liberdade de expressão, quando na verdade, querem ficar tecendo loas favoráveis ao fundamentalismo conservador em curso. Tarso não perdoaria estes todos, os colocando no seu devido lugar.
A sua história começa muito cedo, com ele seguindo os passos do pai, dono de um jornal no interior do Rio Grande do Sul, depois indo galgar novos lances em Porto Alegre, depois Rio de Janeiro e São Paulo. Fez e aconteceu em todos os lugares por onde passou. Inesquecível sua atribulada – todas elas o foram -, pelo Pasquim, Folha SP, Isto É, Folha da Tarde e mesmo pelas onde era o fundador, dono e também diretor. Seu político preferido é também o meu, não fosse Lula. Acompanhou Leonel Brizola com fervor canino, vindo a ter alguma desavença com ele somente quando ambos já dobravam o Cabo da Boa Esperança. A descrição detalhista com que Tom vai traçando sua vida, dentro e fora do jornalismo é para ser lida com muita saudade. Sim, concordo plenamente, já tivemos um Jornalismo de alto nível e consideração. Hoje fenecemos em tanta coisa e neste quesito, depois do advento da cassação de Dilma, da Lava Jato e do que tentam fazer com a esquerda, vista ainda como “comedora de criancinhas”, só mesmo reconhecendo, com gente do naipe de um Tarso, isso não passaria batido. Comprar boas brigas era com ele mesmo. E a vida é mesmo monótona sem algumas brigas, embates e confrontos pela frente. Escrever com a mordaça fixada na boca é uma nhaca inadmissível para Manuel de Redação sério. No único manual de Tarso, isso de patrão querer impor ao seu jornal algo fora do que realmente aconteceu é impensável. Daí, cada vez mais me pergunto, quem daria emprego para alguém como Tarso de Castro hoje.
Vejo o quanto padeceu Mino Carta, tendo este que fundar suas próprias publicações. Paulo Henrique Amorim já se soltou quando fora dos laços umbilicais com os grandões da TV. O mesmo posso dizer hoje de um Chico Pinheiro e mesmo Juca Kfouri. Quem ousaria dar emprego para alguém com a verve de um Fausto Wolff, Eric Nepomucemo, José Trajano, Flávio Tavares e alguns outros poucos? Só mesmo, como ele e Mino fizeram, fundando seu próprios jornais. E como bebia? Devia ser lindo ver sua reação diante de algum amigo, destes inseparáveis, tascando-lhe beijos na boca e vez ou outra, como fazia com Tom Jobim, apertões em seu pau, sem qualquer viadismo. Hoje poderia facilmente se passar por machista, quando na verdade era um conquistador e muito respeitador delas, quando atuando ao seu lado nas redações vida afora. O seu diferencial foi a desbrida escrita, sem papas na língua e ferina, pronta para ferir e alcançar logo seus objetivos. Por sorte, Tarso tinha um lado, o dos defensores das boas causas e temas. Faz muita falta nos tempos atuais. Leria mais dele e de tantos outros, corajosos e muito, ainda mais, quando o escreveram diante de patrões boçais e um regime ditatorial, censurando todo e qualquer arroubo libertário. Confesso, me inspiro muito em verdadeiros jornalistas como ele para minhas investidas pelo mundo da escrita. Ele é e sempre será uma de minhas mais fortes referências.
Eis algumas frases grifadas do livro e aqui relembradas:
- “Senhora, eu vos amo tanto, que até por vosso marido me dá um certo quebranto”, autoria do Mário Quintana e repetida por ele diante de novas conquistas.
- “Não quero viver muitos anos. Já notei que, quando o cara fica velho, a vida dele fica sem graça. Quero viver muito, intensamente, agora. Depois que fizer quarenta anos, acabou”.
- “...coragem e atrevimento com que provocava autoridades locais”.
- “Tarso já era amigo do peito de metade da população de Ipanema – a outra metade era de desafetos, que ele conquistara com a mesma velocidade”.- “Segundo Tarso, só havia uma saída para as mulheres que passavam pelo quarto de Paulo Francis: dormir. Se resistissem por mais de dez minutos, viravam lésbicas para sempre”.
- “O jeito era apelar para uma arma que ele sabia usar muito bem desde os tempo de colunista em Passo Fundo: a ironia”.
- “Era no Treviso, conversando à mesa ou ao telefone com políticos, sindicalistas, líderes estudantis, que Tarso abastecia seu repertório de pautas. A cada uísque entornado, um furo conquistado, não necessariamente nessa proporção. (...) Quando Tarso adotava um barera pra valer”.
- “Cultivar paixões platônicas não era de seu feitio, muito menos por joelhos. (...) ...jamais conseguira se enquadrar em qualquer disciplina partidária. (...) Não acredito em um jornal feito por um só jornalista. (...) Tarso não gostava de Ziraldo, e vice-versa”.
- O Pasquim era um colcha de retalhos de egos gigantescos. (...) Muita gente acha que o Pasquim chegou ao fim por problemas administrativos. Mas eu acho que não. Foi um racha ideológico”.
- Se me encherem muito o caso nunca mais penduro contas no Antonio’s. (...) Manolo só decidia cobrar os penduras do tarso quando a dívida chegava quase ao valor do bar”.
- “...não tinha como cobrar um tratamento forma de Tarso se o próprio Octávio Frias de Oliveira, o seu Frias, dono do jornal, era chamado pelo editor de Ilustrada de Friete”.
- “Hoje, as direções dos jornais se encarregam de uma censura muito amis violenta, quer dizer: já que o inimigo, anteriormente comum – a censura oficial – se acabou, não há mais por que manter a aliança com esse grupo de canalhas, que eles, carinhosamente, classificam de ‘jornalistas’. (...) enfim (sem trocadilho), a ditadura não é exclusividade do governo. Ela pode estar em cada linha dos jornais que são os donos da verdade”.- “...a última refeição da tarde, constituída dos mesmos integrantes do café da manhã: uma rodela de limão, uma pitada de açúcar e um copo cheio de vodca. (...) ...repetia sempre a mesma frase antes de começar a escrever: neste momento, 75 kg de músculos e fúria se reúnem para fazer mais uma coluna. (...) As forças ocultas nacionais que ele alega se chamam ‘Três Fazendas’ e ‘51’ e as internacionais ’Back Label’ e ‘Buchanan’s’’.
- “Busco munição nos bares, nas ruas. Sou um veículo dos anseios que as pessoas externam, nas conversas cotidianas. E não há copidesque para minha coluna. Ela sai como um esporro. Os jornais brasileiros acabam com o talento individual, com o jornalista de estilo próprio”.
- “A verdade é que Tarso não sabia fazer jornal a favor de ninguém. Nem de Brizola”.
Este texto já ficou longo demais, mas para quem conseguiu ler até aqui, algo mais. Três textos do Tom Cardoso, publicados em seu Facebook, como aperitivo para quem quiser depois comprar o livro diretamente com ele, pelo fone/whatts 11. 999392725.
RELATO 1
Durante anos amigos tentaram convencer Tarso a parar de beber. Luiz Carlos Maciel o levou ao Alcoólatras Anônimos. Seu argumento para não freqüentar as reuniões foi convincente: “Prefiro a morte ao anonimato”.
Palmério Dória pediu a ele que pelo menos deixasse de beber pela manhã. A resposta estava na ponta da língua: “Prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira do que viver a vida inteira bebendo pela metade”.
Quando Tarso, depois de uma nova hemorragia, deu entrada, em coma, na clínica São Vicente, seu médico assinou o atestado de óbito e avisou a família: “Podem comprar o caixão”.Não sabia com quem estava lidando. Horas depois, enfermeiros foram surpreendidos por um grito vindo da UTI: era o “morto” pronto para mais uma dose: “Porra, me tirem daqui!”.
Peréio, impressionado com a resistência do “canalha”, só aceitou levar Tarso para um bar se ele prometesse, por escrito, doar o super-fígado depois de morto.
Em Passo Fundo, logo que o caixão chegou ao saguão do aeroporto Lauro Kurtz, Tarso recebeu a primeira “homenagem”. Ao saber que ali estava sendo transportado o corpo do polêmico jornalista, Romeu Tuma, então superintendente da Polícia Federal, não se conteve: “Aquele subversivo boca-suja?”.
Ser chamado de boca-suja por um ex-diretor do Dops era um elogio e tanto.
A segunda homenagem partiu do amigo Otto Lara Resende, articulista da “Folha de S. Paulo”, em texto publicado dois dias após sua morte:
“(...) Tinha um pacto de felicidade com a vida. Pouco importava que a vida não cumprisse a sua parte. Eu interpelava os astros: de quem foge Tarso de Castro? Que persegue Tarso de Castro? Ele ria. E o riso apagava no rosto o vinco das noites boêmias. A vida jogada fora, num gesto de desdém e de rebeldia. Mas onde está a vida dos que a depositaram na poupança? Na vertigem com que vivia, no seu furor, havia, sim, um sinal de maldição. Sua morte nos punge como um remorso. Tantas imposturas, tantos vencedores! Adeus, Tarso”.
RELATO 2
- Olha, general, o senhor não passa de um golpista filho de uma puta!
Colado à porta do gabinete de Leonel Brizola, no Palácio Piratini, Tarso ouvia o governador do Rio Grande do Sul insultar, por telefone, Arthur da Costa e Silva, o todo-poderoso comandante do IV Exército.
Brizola ligara para o general tentado persuadi-lo, sem sucesso, a interferir na decisão dos três ministros militares, que haviam vetado a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio.
(...)
Cercado por jornalistas e assessores, Brizola empunhou o microfone e fez um inflamado discurso de dez minutos, denunciando o plano dos militares de impedir a posse de Jango e incitando a população a resistir com todas as forças.
Terminado o discurso, Brizola pediu aos repórteres que o ajudassem a bolar um hino para a campanha. Tarso se lembrou da criativa turma do Teatro de Equipe e explicou a Paulo César Pereio que os legalistas ansiavam por uma boa música que representasse o movimento.
Não se sabe até hoje que tipo de entidade Pereio – que mal sabia assobiar o Parabéns a Você – incorporou para compor um hino tão bonito como o da Legalidade. Inspirada no Hino Nacional e na Marselhesa, e com letra da jornalista Lara de Lemos, a canção de Pereio fez um enorme sucesso nos porões do Piratini:Avante brasileiros de pé/ Unidos pela liberdade /Marchemos todos juntos com a bandeira/Que prega a lealdade/Protesta contra o tirano/E recusa a traição/ Que um povo só é bem grande/ Se for livre sua nação.
Nossos patriotas pioraram muito.
RELATO 3
Tarso e Paulo Francis tinham tudo para ser inimigos mortais.
Tarso era descendente de espanhóis e italianos; Francis de alemães e franceses.
Tarso começara a trabalhar aos 13; Francis com 27.
Tarso, ainda com espinhas, já bebia cachaça com os funcionários do jornal de seu pai; o adolescente Francis sonhava em ser padre.
Tarso mal conseguia conjugar o verbo to be; Francis se orgulhava de ler originais de Bernard Shaw e Faulkner.
Tarso era bonitão, falava alto e tinha a estranha mania de beijar os amigos na boca; para Francis, dispensado do teatro por excesso de fealdade e timidez, intimidade se resumia a um aperto de mão.
Tarso se gabava de levar para a cama todas as mulheres que quis; Francis cultivava paixões platônicas por todas as mulheres que um dia sonhou em levar para a cama – inclusive @babyoppen, casada com Tarso.
Ao passo que Tarso conquistava o mulherio com dúzias de rosa e recitando poemas de Mário Quintana (“Senhora, eu vos amo tanto/ Que até por vosso marido/ Me dá um certo quebranto”, era o seu verso favorito), Francis preferia métodos menos ortodoxos: discutia por horas a contribuição do ceticismo de Henry Louis Mencken para a humanidade, ao som de uma ópera de Wagner e o olhar vigilante de Leon Trotsky, que enfeitava as paredes de seu apartamento na rua Barão da Torre, em Ipanema.
Segundo Tarso, só havia uma saída para as mulheres que passavam pelo quarto de Francis: dormir. Se resistissem por mais de 10 minutos, viravam lésbicas pra sempre.
HPA FINALIZANDO:
O livro é uma delícia, a vida do Tarso de Castro algo para se pensar, como ele conseguia escrever e ser publicado sem estar atrelado na linha de pensamento do patrão e Tom, como escreve bem o danado. Li em pouco tempo e já quero mais. Sei que ele tem mais biografias, uma do dr Sócrates, uma sobre a história do cofre do Ademar e outra da Cássia Eller, essa saindo do forno. Quero mais...
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