segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

MEMÓRIA ORAL (58)

O LP CONTINUA NAS PARADAS
Na famosa Feira do Rolo tem de tudo, mas tudo mesmo. Algo que chama muito a atenção são alguns barraqueiros continuarem vendendo os LPs, os antigos discos. Isso mesmo, os também denominados "bolachões" continuam ocupando espaço na prateleira de muitas pessoas. Para aqueles que estão acostumados a levarem para casa o produto Música, o que mais perdurou foram os LPs. São os que menos foram pirateados, tal a dificuldade, pelo tamanho e forma de fabricação. Já tivemos as fitas cassetes, depois os CDs, hoje tudo está relacionado a MP3, pen-drive e outras modernidades, todas de curta duração, tal a renovação tecnológica e a substituição de um por outro mais avançado. Quando o LP começou a definhar, há uns vinte anos atrás, uma imensa legião de aficcionados não assimilou muito bem aquele premeditado fim. E essa paixão perdura até hoje.

Isso pode ser comprovado dando uma rápida caminhada pelo largo que abriga a famosa feira dominical. Em vários pontos podem ser encontrados os LPs. Alguns o revendem de forma desleixada, expondo-os aos efeitos do sol e da chuva. Uma barbaridade. Outros, mais cuidadosos, cuidam bem do produto e o que se percebe é um amontoado de pessoas interessadas em continuar comprando música dessa forma. Francisco Carlos Jaloto, o Carioca, 46 anos, traz tudo em caixas e expõe diretamente no chão, fornecendo uns banquinhos para os interessados procurarem com mais conforto aquilo que lhes interessam. Seu ponto já é tradicional, ficando bem defronte a Associação dos Aposentados, num dos locais de maior freqüência de pessoas. "O produto LP, do qual sou colecionador, continua interessando e muito. Olha ali, aquele cliente volta sempre e hoje, está separando mais de 15 para comprar", me diz.

Seus preços são tabelados e os mais populares possíveis. Carioca padronizou o preço do LP a R$ 1 real, mesmo tendo ao seu lado, um outro vendendo alguns mais raros, de R$ 3 até R$ 10 reais. "O sol nasceu para todos. Ele tem menor quantidade, traz pouca coisa. Eu trago mais e vendo mais barato. Aqui todo mundo sai contente e eu até ajudo a embalar o que ele vende", conta sobre o assunto. Ainda sobre o comprador de quantidade grande, não resisto e pergunto sobre desconto em cima de preço tão baixo. "Fazer o que, o cara é cliente, volta sempre, todo mundo chora bastante e não perco negócios. Deixo todo mundo contente. Cada caso é um caso, vejo o que posso fazer e faço", explica.

"Com preços tão baixos, como consegue os LPs. Compra ou ganha?", não resisto em lhe perguntar. "A grande maioria é comprada, em lotes e acabo sempre fazendo bons negócios. Fui buscar uma quantidade que uma senhora me doou, chegando lá peguei uns 50, mas vi a situação de suas crianças. Não pensei duas vezes, passei no mercado, comprei umas bolachas, doces e levei para ela", me diz. Nas caixas tudo segue certa organização por temas, como MPB, Clássicos Internacionais, Populares, Sertanejos, Clássica e assim por diante. Os fregueses mais habituais já conhecem a distribuição e nem perguntam mais, vão direto para a caixa que lhes interessa.

Nesse domingo quem está por ali é Dema, um freqüentador assíduo da banca. "Meu negócio são os de selo internacional, os de novelas e de cantores famosos. Em casa todos gostam. Trago uns para trocar e levo outros. O carioca tem me feito dois por um, mas sempre estou mais comprando que trocando", conta. Carioca aproveita e explica como são essas coisas: "Vivo disso, então preciso fazer um bom negócio. Nem sempre dá para fazer dois por um, mas para os clientes assíduos faço. Estudo bem o que me trazem, mas são raros os que ficam sem fazer negócio comigo. Em casa negocio as raridades. Outro dia vendi um raro do Rollings Stones, um que tem um zíper abrindo na capa. Conhece? Pois é, me pagaram R$ 80 reais nesse".

Carioca não é bauruense e o nome já diz tudo. Veio do Rio de Janeiro há uns dezoito anos atrás, atraído por um trabalho de guardar imóvel para uma família que iria viajar. Ficou pouco tempo nisso, indo depois trabalhar com o empresário Cláudio Amantini nos famosos bingos. Nisso ganhou muito e ficou até o negócio se esgotar. Fez outras coisas, conheceu a esposa, com quem está há oito anos e gostou da cidade e das pessoas daqui. "Ganhei muito dinheiro com os bingos. Num domingo daqueles movimentadíssimos cheguei a ganhar uns R$ 500 reais. O gosto pelos discos eu sempre tive e aqui fui ampliando. Trago até hoje muita coisa do Rio, das feiras de lá, de uns lugares que só eu conheço, em Campo Grande, na Baixada. Muita coisa trago para mim. Tenho uma coleção que não vendo, não troco e não dou", faz questão de ir contando.

Os clientes não param de chegar por lá. O senta-levanta nos banquinhos é constante e perdura até o arroz secar, ou seja, por volta das 12h30, quando a feira começa a definhar de movimento. Carioca fica até o fim, com seu inseparável chapéu de abas largas, para proteção do sol. Não lhe pergunto quanto ganha aos domingos e no restante dos dias, mas se continua insistindo nesse ramo de comércio, ele não deve ser lá dos piores. Melhor que tudo isso, Carioca faz o que gosta, pois demonstra isso em relação à música, com suas preferências em relação ao gênero. Papo dos mais agradáveis nas manhãs dominicais da maior e mais famosa feira de Bauru, ajudando a manter viva a tradição dos admiradores de LPs.

3 comentários:

Anônimo disse...

Henrique nem preciso falar novamente a minha paixão pelos LPs, já expliquei em outra oportunidade sobre a relação vinil-musica-vida.
Não passo um mes sem comprar livros e discos, sou rato de sebo, pena que no quesito raridade os daqui perdem muito para os sebos da capital que são lotados de raridades, inclusive de discos importados, já cheguei a pagar uma nota por um vinil raro inglês.
Os discos de vinil retratam tempos dourados de nossa história, a frieza dos downloads atuais tornaram muito tecnocraticas as relações ouvintes e musicas.

Marcos Paulo

Mafuá do HPA disse...

Henrique
A realção que tenho com os "bolachões" é exatamente essa. Não suporto esse negócio de ficar fazendo download. Acho frio demais. Prefiro muito mais chegar em casa, como hoje, após um dia chuvoso na estrada, cansado, pegar um vinil, colocar na vitrolinha e ficar ouvindo ouvindo até chegar o momento de virar o lado B. É algo mágico, não?
HPA, direto do Mafuá

Anônimo disse...

Henrique
Se vc não leu, dê uma lida numa matéria de hoje, domingo, 01/02, no Jornal da Cidade, exatamente sobre isso, o ressurgimento do LP e o amor dos adeptos, que nunca abandonaram esse jeito de ouvir música. Li, gostei e lembrei do seu texto, escrito uma semana antes.
Paulo Lima