quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

DIÁRIO DE CUBA (19)
Hoje, 1º de janeiro de 2009 é uma data muito especial para Cuba, pois comemora-se os 50 Anos da Revolução Cubana. Eu e Marcos pudemos constatar in loco algo muito difundido aqui no Brasil: o que a grande maioria da imprensa nativa continua divulgando sobre o totalitarismo na ilha é pura balela. Conversa para boi dormir. É o tal do "repetir uma mentira até a exaustão, até ela se tornar verdade". Reproduzir mentiras, sem checar ou para atender interesses de grupos é algo que se repete por aqui desde os tempos de Cabral. "Papagaio de Pirata" existe por todos os cantos. Sobre o tema fui ler o que a Folha de SP e o Estado de SP publicaram em sua edição de 28/12. Esperava encontrar algo muito mais raivoso, porém um texto se destacou e justo naquele que esperava ser o mais conservador, o Estadão. No Caderno "Aliás", uma entrevista de página dupla com Daniel Erikson, jovem especialista em relações internacionais, com um livro recém lançado, "The Cuba Wars" (sem tradução no Brasil). No restante, não faltaram ataques gratuitos e desnecessários. Vejam uma síntese da entrevista e confirmem que nem todo norte-americano enxerga Cuba como uma ameaça, um retrocesso, um risco, um empecilho ou uma conquista:
"A forte razão qual os EUA mantêm o embargo contra Cuba é que Washington nunca perddou Fidel pela chamada Crise dos Mísseis, e Fidel, por seu lado, também nunca pediu desculpas a Washington por ter abrigado secretamente armas nucleares soviéticas. Fora isso, os EUA se engajaram numa série de tentativas de assassinar Fidel. (...) Posteriormente vimos o governo americano transferir a política em relação à Cuba para as mãos dos piores inimigos de Fidel, a comunidade de exilados que odiava o líder cubano. (...) Eles jamais se divorciaram realmente. Preferem há 50 anos manter um casamento ruim, ignorando o fato de que precisam mesmo é de um bom conselheiro matrimonial. (...) O que torna uma visita a Cuba tão encantadora e tão trágica ao mesmo tempo é que a gente sente que o país parou no tempo. (...) A geração que fez a revolução está morrendo, portando caberá às gerações mais novas reinterpretar a história. (...) Cuba é o único país do mundo vetado aos norte-americanos. Ou seja, nós não precisamos de autorização para vijar para a China, Irã ou Coréia do Norte, mas viajando para Cuba sem permissão podemos ser penalizados. (...) O problema central é que tanto EUA quanto Cuba acreditam ser excepcionais. Como é que pode haver normalidade no relacionamento daqueles que se julgam acima de tudo?". Ah, se todos pensassem igual a você, que maravilha seria viver... Cuba precisa de gente que a entenda, não que a cutuque sem sentido e sem lógica. Um entendimento é mais do que possível.

DEIXANDO O HOTEL, CAMPANHA DOS HERÓIS E UMA RODOVIÁRIA
Dia de deixar Havana rumo ao interior do país. Pra falar a verdade já não agüentava mais o mexido com ovos pela manhã, do qual gostei demais. Mesmo com toda a variedade de opções no café da manhã ("Desayuno" para eles, uma linda palavra, não?), não ficava sem o gorduroso ovo revirado na chapa. Meu colesterol e trigliceres davam sinais de estarem próximos do limite tolerável, prestes a “abrir o bico”. Eu olhava para aquilo sendo feito, com o carinho da chapeira e não resistia. No apartamento, juntei todas minhas roupas na mochila de costas e estava mais do pronto para iniciar a nova jornada. Antes uma pequena confissão. Viemos para cronometrados 19 dias, onde trouxe 5 pares de meias, 5 cuecas e 7 camisetas, além de uma camisa e camiseta de mangas longas. Nesse sexto dia já tínhamos estabelecido uma rotina, que havia dado muito certo. Lavávamos nossas roupas durante o banho ou na pia do banheiro, colocando-as para secar na janela ou defronte o ar-condicionado. Passei defronte o luxuoso hotel Habana Libre, lotado de turistas do mundo todo, inclusive norte-americanos e observei muitas roupas nas janelas. Sendo assim, tive a certeza de não sermos os únicos a não gastar com serviços extras de quarto. Essa parte tiramos de letra. Não queiram imaginar como fizemos para passar as camisetas.
Despedidas na recepção, com pessoas que mesmo com tão poucos dias já pareciam tão intimas. Tomamos conhecimento de que o hotel estará lotado quando retornarmos e isso terá que ser resolvido nos próximos dias. No saguão nos deparamos com um poster sobre os 5 cubanos detidos ilegalmente nos EUA. Me permitam um aparte e um pulo para nossos dias. Estivemos em Cuba no mês de março e agora, na segunda quinzena de dezembro, o presidente cubano Raúl Castro esteve no Brasil, na reunião de cúpula daUnião das Nações Sul-Americanas (UNASUL), na Costa do Sauípe BA. Falando sobre o assunto, Raúl propôs aos EUA: “A época dos gestos unilaterais acabou em Cuba, agora tem que ser gestos bilaterais. Esses prisioneiros, querem soltá-los? Que nos digam que mandamos os de cá com família e tudo. Mas que nos devolvam nossos cinco heróis”. Dizem ser 200 os prisioneiros políticos na ilha e ele aceita soltar todos caso os EUA soltem os cinco cubanos. É uma clara negociação para que Washington encerre o embargo econômico à ilha. O cubano, como já disse anteriormente, tem essa questão meio que a flor da pele. Ferve com os EUA por causa disso.
Almoçamos nos Las Balerías, ao lado do hotel Vedado. Confesso algo doloroso para mim: não encontro palitos de dentes em Havana. Seguimos de táxi para o Terminal da Via Zul, pagando 5 pesos. Não me canso de observar a fachada dos prédios e das casas, além do transporte urbano. Daria para escrever textos longuíssimos sobre o que fui observando. Nesse terminal, diferente de nossas rodoviárias, onde várias empresas atuam, aqui todos os ônibus pertencem a uma só empresa. O local é amplo, tudo muito bem organizado, lojas de souvenires, serviço interno de alto-falante, restaurante, tudo para atender turistas e os próprios cubanos. Havia lido no Brasil que nesse tipo de terminal só viajavam turistas, existindo um outro só para o cubano. Mais uma mentira de um imprensa que falseia com a verdade. Conversamos com muitos cubanos, com famílias e muitas bagagens. O preço é que é diferenciado. É preço para turista, sendo que no outro terminal, com a mesma qualidade, muito maior, eles pagam preços irrisórios pelas viagens. Pagamos 35 pesos pelas duas passagens e embarcamos pontualmente às 15h com destino a cidade de Santa Clara, terra do famoso Memorial a Che Guevara. Chegaríamos por volta das 19h. Muita coisa foi anotada dessa primeira viagem, mas isso fica para o próximo relato.

3 comentários:

Anônimo disse...

Henrique
Você vai falar sobre as ferrovias cubanas?
Achei que uma das fotos aí era de um trilho férroviário.
Geraldo

Anônimo disse...

Claro que vai falar. De ferro, ele entende.

Anônimo disse...

Um dos países que sonho em conhecer é Cuba. Muito mais do que os Estados Unidos. A vida lá deve ser muito interessante e menos estressante que a vivida por aqui.
Não é isso mesmo?

Sou a Paula Marins, de São Paulo e descobri seu blog, clicando no google Diário de Cuba. Daí te descobri.