ADEUS CIENFUEGOS, RETORNO À SANTA CLARA E O KARAOKÊ NA PRAÇA
Domingo, 16/03/2008, estávamos prestes a deixar Cienfuegos. Final de tarde, rodoviária daquela cidade, eu havia caminhado quase que a tarde toda. Sentados na área reservada para passageiros não resisti de me aproximar de uma bela moça vestida com a camisa da seleção canarinho do Brasil. Era venezuelana e estava cursando medicina em Cuba, último ano, o quinto na ilha. Tiramos fotos juntos e disse estar ali revendo colegas cubanos de estudo. Havia passado o domingo com eles e retornava à Havana. Escolheu um outro caminho que o nosso e o seu embarque foi antecipado. Voltou de lotação, algo parecido com as nossas vans. Seria uma experiência e tanto, mas já tínhamos comprados nossas passagens.
Quem nos chama para um prolongado bate-papo é o Sub-Diretor Comercial do Terminal, Pedro Avellanes Espinosa, professor de Física e Astronomia. De sua fala registrei o que achei mais interessante: "Che é o maior revolucionário da história do mundo. Fui professor de crianças durante dois anos e todos sabiam tudo sobre Fidel e Che. Sou dirigente do Partido Comunista aqui no terminal. Temos muitos comunistas com intensa militância aqui. Cada grupo se reune com uma certa frequência, desde motoristas a funcionários de uma forma geral. Uma vez por mês a reunião é via de regra e discutimos vários assuntos. Quando há necessidade nos reunimos mais vezes. Embora a figura de Fidel seja essencial e o Raul seja um pouco mais calado, a revolução está mais do que consolidada entre nós. Temos o controle da situação, todos participamos. Lula e Cuba são muito próximos, ele também é muito próximo de Fidel. Lula faz questão de ajudar muito Cuba e nós somos muito agradecidos a ele".
Finalmente chega o momento do embarque. São 17h e meio que baleado pelo cansaço das andanças feitas à tarde, desmaio quase toda a viagem. Pouco aproveito. Na chegada o tumulto de sempre e já acostumados, fomos diretos para um táxi oficial. Do terminal até o Hotel Santa Clara (dessa vez apartamento 405) são dois pesos. Ainda do tumulto na rodoviária rimos muito de um cubano diante do tamanho do Marcão e de sua camiseta com a foice e o martela: "É um russo. É um russo".
Um lanche rápido no Café Literário, na praça ao lado do hotel. O atendente nos reconhece e nos pergunta se não o reconhecemos. Foi quem nos havia trazido da primeira vez de táxi, da rodoviária até o hotel, ele e seu pai. Aqui estamos em casa. O povo interiorano, principalmente o dessa cidade sabe receber muito bem os turistas e os papos fluem de forma prolongada e diferente a cada esquina. Marcos decide não sair do quarto à noite. Eu decido não ficar ali por muito tempo, pois um barulho de movimentação intensa chega até o apartamento. Vou ver o que se sucede e adentro o "Circuito de Participação O Melhor do Karaokê", com uma mesa de DJs, tudo começando depois das 21h e indo até por volta da meia-noite. Mais de 700 jovens acotovelam-se diante do prédio da Biblioteca Central, dançando ao ritmo de músicas cubanas. Uma alegria contagiante, sem nenhum tipo de violência. Fico contagiado vendo a desenvoltura deles, todos querendo escolher uma música na maquineta e colocar a voz para funcionar. Percebo que o final dos domingos em Santa Clara são iluminados e festivos.
O palco é a própria escadaria da Biblioteca, ficando numa altura propícia, não necessitando nem de palanque. O locutor enfatiza a todo momento: "Aqui música 100% cubana". É realmente impossível ficar parado. Procuro dançar e me juntar a eles do meu jeito peculiar, meio duro e sem molejo, mas parado não fico. O corpo automaticamente vai se movimentando. Espero uma parada no som e vou até o locutor, um rapaz de 23 anos, Yoandy Manzo, que junto de Olgarrosa Rodrigues, 37 anos, animam a festa todos os domingos. Me dizem trabalhar para a Cultura local. Ela me diz que "cantar karaokê para um pequeno público de um restaurante é uma coisa bem diferente do que os jovens fazem aqui. Na praça lotada é muito mais contagiante". Yoandy pega o microfone e conclama: "Quem se atreve". A fila de interessados cresce a olhos vistos, num lugar onde a palavra vergonha não existe. É de encher os olhos estar ali presente nesse verdadeiro congraçamento popular, num domingo à noite, numa pequena cidade no interior cubano. Vou dormir só quando os olhos insistem em fechar pelo cansaço. Aproveitamento total. Melhor não poderia ser. Naquela noite confirmaria, mais uma vez, essa ter sido a viagem de minha vida, com a constatação de que a felicidade é possível de uma forma bem simples, muitas vezes sem a utilização de recursos mirabolantes e uma grande parafernália. Cuba é feliz, muito mais do que a grande maioria do restante dos países do planeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário