UM SAPATEIRO RESISTINDO AO TEMPO
Antonio Scarton, 81 anos, desde os dez anos exerce, sem interrupções uma profissão daquelas meio que em extinção. Ele é ciente de que a luta está perdida, mas não muda de lado. Sapateiro, com um pequeno estabelecimento, aberto de segunda à sexta, no horário comercial e aos sábados, no período da manhã, localizado a uns 100 metros da antiga estação ferroviária central de Bauru, lugar de antiga e saudosa efervescência no centro da cidade, resiste como pode, numa pequena portinha, acanhada e descascada, na Rua Alfredo Ruiz, 2-14, num local onde dantes funcionou ao seu lado, hotel, bares e outros pontos comerciais. Hoje só ele e até quando puder, ou resistir.
“O vizinho do meu lado, seu Nenê, alfaiate, permaneceu na porta do lado por 35 anos. Disse que ia parar e o fez. Não agüentou. Nem sei se costura mais”, me disse sobre o isolamento atual. Durante 22 anos manteve seu negócio embaixo do hoje fechado Hotel Milanezi. “Veja lá”, me diz apontando para o lado do hotel, “hoje tudo está fechado, tudo quebrado e abandonado, igual nossa estação. Circulava muita gente por aqui e hoje esse abandono”, continua me relatando. Quando o hotel fechou, tentou permanecer no antigo local, mas foi obrigado a procurar aluguel mais barato, vindo para o endereço atual, onde permanece por 14 anos.
A região central, ao lado da antiga estação feneceu com a privatização da ferrovia e o fechamento da estação. Tudo ali tem aspecto de estagnação e o aspecto não é dos mais agradáveis. Ele, que desde os dez anos exerce a mesma profissão, nunca abandonou a região e continua resistindo. “Pago R$ 200 reais de aluguel, sei que o prédio onde estou está se acabando, mas não posso fazer nada. Tudo está fechado do meu lado, só esse posto aí na frente ainda resiste, o Hotel Cariane, que tenta se manter aberto e a loja de móveis usados”, fala sobre o momento atual. Quando lhe pergunto se consegue obter algum lucro, diz que sim, mas pouco. “Se parar vou fazer o que. Não sei fazer outra coisa e não conseguiria ficar em casa sem fazer nada. Enquanto puder fico e quando não der mais, continuarei atendendo meus clientes em casa. Tiro alguma coisa porque faço de tudo”, conclui.
Antigamente vinha trabalhar de carro, uma Brasília. Foi obrigado a vendê-la por motivo de saúde e passou a vir a pé, numa distância de aproximadamente uns 3 km. Já não consegue mais fazer o percurso caminhando. Hoje o faz de ônibus, pois pela idade já não paga mais passagem. “Já tive uma pequena fábrica, fazia botas e bolsas, Hoje só conserto, reparos em sapatos e nas bolsas. O sapato masculino é o que me dá mais retorno, mas a maioria é tudo descartável. Pagam baratinho e depois jogam fora”, me diz enquanto segue cortando uma borracha de câmara de automóvel, transformando-a em sola para uma botina. E sobre seu local de trabalho é simples e direto: "Isso aqui é uma santa bagunça. Parece tudo fora de lugar, mas eu sei onde encontrar cada coisinha. Tudo tem um lugar".
Revolta mesmo só quando pergunto sobre se não conseguiu ensinar ninguém. “Tenho dois filhos, um casal. Ele até ficou aqui comigo um tempo, depois aconselhei a estudar, porque isso aqui está parando. Ele fez tecnologia e toca sua vida. Imagina nós dois aqui hoje? Seria um desastre”, me diz resoluto. “Ensinar eu não ensino mais ninguém. Apareceu um aqui e me convenceu a fazer isso. Fiz e quando acabei de ensinar tudo, me levou na Justiça do Trabalho. Paguei uma fortuna, mas o mal que me fez, pagou aqui mesmo, pois sei que não se deu bem no ramo”, diz meio entristecido.
Scarton é um nome de origem italiana, da região de Verona. “Veja esse postal. Quem me enviou foi uma cliente que mora na Itália, dona Norma. Ela vem algumas vezes por ano ao Brasil e me traz sapatos de lá para consertar. Pegou meu endereço e recebi essa foto. Quando passou aqui no começo desse ano me explicou sobre o castelo e essa ponte medieval”, conta segurando o postal. Sobre a família diz rindo que outro dia ligaram para sua casa procurando pelo senhor Antonio: “Minha neta disse que não morava ninguém por lá com esse nome. Era eu, mas lá em casa ninguém me conhece pelo primeiro nome. É só Scarton, isso desde meus tempos de moleque, do tempo em joguei na várzea”.
Atende dois clientes durante o tempo em que ali permaneci. No primeiro, um reparo simples, para colar um bico de sapato aberto. Combina o preço por R$ 5 reais e promete o serviço para dois dias. Uma mulher lhe traz uma bolsa com a alça descosturada. Faz na hora e cobra os mesmos R$ 5 reais. “Aposentei com dois salários. Na época do Collor me tiraram um. Hoje tenho só um. Tenho que trabalhar para completar um ganho pouco melhor”, me diz enquanto costura a bolsa da cliente. Essa é a rotina desse filho de italiano, ciente de que exerce uma profissão que não terá solução de continuidade, pelo menos no seu caso. Nem por isso, demonstra menos disposição daquela de 69 anos atrás, quando tudo começou.
Antonio Scarton, 81 anos, desde os dez anos exerce, sem interrupções uma profissão daquelas meio que em extinção. Ele é ciente de que a luta está perdida, mas não muda de lado. Sapateiro, com um pequeno estabelecimento, aberto de segunda à sexta, no horário comercial e aos sábados, no período da manhã, localizado a uns 100 metros da antiga estação ferroviária central de Bauru, lugar de antiga e saudosa efervescência no centro da cidade, resiste como pode, numa pequena portinha, acanhada e descascada, na Rua Alfredo Ruiz, 2-14, num local onde dantes funcionou ao seu lado, hotel, bares e outros pontos comerciais. Hoje só ele e até quando puder, ou resistir.
“O vizinho do meu lado, seu Nenê, alfaiate, permaneceu na porta do lado por 35 anos. Disse que ia parar e o fez. Não agüentou. Nem sei se costura mais”, me disse sobre o isolamento atual. Durante 22 anos manteve seu negócio embaixo do hoje fechado Hotel Milanezi. “Veja lá”, me diz apontando para o lado do hotel, “hoje tudo está fechado, tudo quebrado e abandonado, igual nossa estação. Circulava muita gente por aqui e hoje esse abandono”, continua me relatando. Quando o hotel fechou, tentou permanecer no antigo local, mas foi obrigado a procurar aluguel mais barato, vindo para o endereço atual, onde permanece por 14 anos.
A região central, ao lado da antiga estação feneceu com a privatização da ferrovia e o fechamento da estação. Tudo ali tem aspecto de estagnação e o aspecto não é dos mais agradáveis. Ele, que desde os dez anos exerce a mesma profissão, nunca abandonou a região e continua resistindo. “Pago R$ 200 reais de aluguel, sei que o prédio onde estou está se acabando, mas não posso fazer nada. Tudo está fechado do meu lado, só esse posto aí na frente ainda resiste, o Hotel Cariane, que tenta se manter aberto e a loja de móveis usados”, fala sobre o momento atual. Quando lhe pergunto se consegue obter algum lucro, diz que sim, mas pouco. “Se parar vou fazer o que. Não sei fazer outra coisa e não conseguiria ficar em casa sem fazer nada. Enquanto puder fico e quando não der mais, continuarei atendendo meus clientes em casa. Tiro alguma coisa porque faço de tudo”, conclui.
Antigamente vinha trabalhar de carro, uma Brasília. Foi obrigado a vendê-la por motivo de saúde e passou a vir a pé, numa distância de aproximadamente uns 3 km. Já não consegue mais fazer o percurso caminhando. Hoje o faz de ônibus, pois pela idade já não paga mais passagem. “Já tive uma pequena fábrica, fazia botas e bolsas, Hoje só conserto, reparos em sapatos e nas bolsas. O sapato masculino é o que me dá mais retorno, mas a maioria é tudo descartável. Pagam baratinho e depois jogam fora”, me diz enquanto segue cortando uma borracha de câmara de automóvel, transformando-a em sola para uma botina. E sobre seu local de trabalho é simples e direto: "Isso aqui é uma santa bagunça. Parece tudo fora de lugar, mas eu sei onde encontrar cada coisinha. Tudo tem um lugar".
Revolta mesmo só quando pergunto sobre se não conseguiu ensinar ninguém. “Tenho dois filhos, um casal. Ele até ficou aqui comigo um tempo, depois aconselhei a estudar, porque isso aqui está parando. Ele fez tecnologia e toca sua vida. Imagina nós dois aqui hoje? Seria um desastre”, me diz resoluto. “Ensinar eu não ensino mais ninguém. Apareceu um aqui e me convenceu a fazer isso. Fiz e quando acabei de ensinar tudo, me levou na Justiça do Trabalho. Paguei uma fortuna, mas o mal que me fez, pagou aqui mesmo, pois sei que não se deu bem no ramo”, diz meio entristecido.
Scarton é um nome de origem italiana, da região de Verona. “Veja esse postal. Quem me enviou foi uma cliente que mora na Itália, dona Norma. Ela vem algumas vezes por ano ao Brasil e me traz sapatos de lá para consertar. Pegou meu endereço e recebi essa foto. Quando passou aqui no começo desse ano me explicou sobre o castelo e essa ponte medieval”, conta segurando o postal. Sobre a família diz rindo que outro dia ligaram para sua casa procurando pelo senhor Antonio: “Minha neta disse que não morava ninguém por lá com esse nome. Era eu, mas lá em casa ninguém me conhece pelo primeiro nome. É só Scarton, isso desde meus tempos de moleque, do tempo em joguei na várzea”.
Atende dois clientes durante o tempo em que ali permaneci. No primeiro, um reparo simples, para colar um bico de sapato aberto. Combina o preço por R$ 5 reais e promete o serviço para dois dias. Uma mulher lhe traz uma bolsa com a alça descosturada. Faz na hora e cobra os mesmos R$ 5 reais. “Aposentei com dois salários. Na época do Collor me tiraram um. Hoje tenho só um. Tenho que trabalhar para completar um ganho pouco melhor”, me diz enquanto costura a bolsa da cliente. Essa é a rotina desse filho de italiano, ciente de que exerce uma profissão que não terá solução de continuidade, pelo menos no seu caso. Nem por isso, demonstra menos disposição daquela de 69 anos atrás, quando tudo começou.
2 comentários:
Esses artesãos, os sapateiros, têm uma tradição de resistência ao tropel devastador do capitalismo indústrial...
Está lá no Hobsbawn, em Mundos do Trabalho...
Em Assis, eu era freguês de um deles, comunista assumido...
abs.João Francisco Tidei de Lima
Muito interessante esta história, meu amigo. Aliás, vc sempre descobre casos como este, né???
ADEMIR ELIAS
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