quarta-feira, 6 de novembro de 2013

MEMÓRIA ORAL (150)


O MECENAS DISSE ADEUS - LEMBRANÇAS REUNIDAS
A justificativa para o reencontro de tantos boleiros da cidade de Bauru é das mais plausíveis. Na noite de 04/11/2013, segunda, no hall de entrada da 94FM dois eventos ao mesmo tempo e ambos reverenciado o aniversário de 103 anos do Esporte Clube Noroeste. No primeiro uma ampla exposição com troféus, fotos, filmes e tudo o mais, material cedido pelo time de futebol (que em momento algum chamo de clube), lembrando a data e a tentativa desse de “sacudir a poeira e dar a volta por cima”, após uma administração catastrófica destituída após pouco mais de seis meses no poder. No segundo, o lançamento do livro do jornalista e proprietário da rádio, Paulo Sérgio Simonetti, o “Noroeste na Era Damião” (2002/2013). Paulo, o protagonista fez questão de convidar todos os que se lembrou com relação não só ao time, como pessoas que também sacodem a poeira nesse e em tantos outros meios em Bauru. Estive por lá e comento desses reencontros.

No primeiro não tenho como não falar de mim mesmo. Sou um mero escriba, esgrimista contra meus próprios moinhos, sem muitas pretensões e ao entregar o livro para o devido autógrafo, Paulo lá tasca um: “Ao Henrique Perazzi, o ‘boca do inferno’ das redes sociais. Abração do PS”. Quase cai das pernas com a comparação com Gregório de Matos e ao mostrá-la para o jornalista Luis Roberto Tizoco, uma surpresa, ele me cita frases do mesmo, com belas possibilidades de similaridade com acontecimentos ali no salão. Rimos e mais ainda quando ele se ajoelha diante do Paulo, por coincidência seu patrão, para tirar algumas fotos com os autografados. A noite foi toda assim. O livro do Paulo por mais que possa ter contidas críticas, são enfocadas com o seu jeito, amenizadas e valorizando o papel do mecenas que por amor permaneceu à frente do time, bancando tudo até quando lhe restaram forças. “O desenlace não ocorreu só por choque de interesses e sim, mais pela saúde debilitada, o velho torcedor não teve mais forças para tocar o negócio ao seu modo e os filhos não possuíam o mesmo amor de alguém que nasceu na cidade”, essa sua explicação para a saída em definitivo e a perda da injeção financeira da era Damião com o Noroeste.

Muita gente atendeu ao convite feito, na maioria das vezes pessoalmente pelo próprio Paulo, via e-mail ou telefone. O local permaneceu cheio das 19h30 até bem mais das 22h. Quem mais chamou a atenção além da exposição e do livro (e não poderia ser diferente) foi um senhor de 83 anos, ex-jogador do São Paulo, Santa Cruz e é claro, do Noroeste, Luiz Marini, que aqui casou e aqui ficou. “Desisto de assistir muitos jogos de futebol hoje em dia. Começo e nem termino, não existem mais níveis de comparação. Não me acusem de saudosista, mas o que fazíamos era totalmente diferente do que ocorre hoje. Eu com 17 anos fui titular no São Paulo e quando joguei pela Santa Cruz ouvi do goleiro Barbosa, o da Copa de 50, que após 15 anos de Vasco não havia ganho o que ganhou em um ano no Recife”. Ele foi o mais entrevistado da noite e por um bom tempo ficou a procurar os troféus de sua época dentre os tantos ali expostos. O que achou foram fotos da formação dos escretes onde atuou.

Na mesma situação dele estiveram outros. Marco Antonio Machado é dentista, jogou na zaga do Noroeste por vários anos e depois enveredou pela carreira de técnico esportivo.
Perguntei-lhe dos motivos de ter deixado de comentar jogos pela Auri-Verde: “Sem jogos, vou comentar o que, virei peça decorativa e nesses períodos tudo vira contenção de despesas”. Brinquei com ele sobre se aceitaria ser hoje o técnico do time: “Sim, houve uma especulação, mas ela não se consolidou. Estou pronto”. Numa roda instigo para os ao seu lado: "Ele é melhor como dentista ou como técnico de futebol?" e a resposta foi unânime, “técnico”. Mas não houve jeito, o Noroeste optou por outro nome. Junto ao grupo, Holmes Rodolfo Martins, o Lelo, numa impecável vestimenta. O vi jogar, assim como Marco Antonio numa das melhores zagas. Lelo é estiloso, refinado também dentro das quatro linhas e nos comentários, postura de não permanecer em cima do muro nas opiniões: “No futebol eu nunca ouvi falar desses caras que hoje dirigem o Noroeste. Onde está o tal do trânsito no futebol? Não estou condenando ninguém, mas existe uma pessoa dando uma de capataz, colocando amigos nos postos chave e não assumindo nada”. A cara que ele fez na identificação de quem seria essa pessoa é indescritível e tudo sem sair da linha.

No meio do salão reencontro Zarcilo Barbosa, colunista dominical do JC, professor universitário aposentado e com quem troquei rusgas recentes por causa de posicionamentos, ele contra e eu a favor de Cuba. Num aperto de mão restabelecemos o diálogo e numa roda, formada pelo vereador Markinhos da Diversidade e pelo jornalista Ademir Elias tentamos resolver o problema da saúde municipal comendo canapés e bebericando o que nos foi servido. “Já vivi situação de ter hora marcada no médico, chegar lá e perceber que todos os do dia estavam marcados para o mesmo horário e a hora de chegada era o demarcador da fila. Horas ali sentado, esperando”. Markinhos se mostra comedido, meio que pisando em ovos: “Adoro o que faço, mas não ataco ninguém gratuitamente, quero entender a posição de todos. O curso de Medicina é caro e daí não aceitam receber pouco”. Ademir buscou aqui e ali (não só os canapés), mas preferiu opinar mesmo sobre o futebol e no caso a situação dos times do interior, cada vez mais catastróficos, com um calendário que não privilegia mais os interesses dos pequenos. Estava restabelecida à normalidade do debate e ao tema que ali nos reunia.

No fundo do salão, numa outra roda, Varlei de Carvalho, um endiabrado ponta, desses baixinhos enfezados e raivosos, dentro e fora do campo, tanto como jogador, como na função de técnico de futebol. Vendo-o fora do futebol pergunto se ainda estaria disposto a treinar algum time: “Sim, se não me convidarem mais, considero minha cota de tudo o que já fiz suficiente, mas se ocorrer saio por aí novamente”. Éramos felizes e não sabíamos, pois nunca mais o futebol terá possibilidades de juntar pessoas por tanto tempo no mesmo lugar, hoje muda-se de time como se muda de canal televisivo, essa minha conclusão. “Tudo é diferente hoje, os campeonatos são mais curtos, as distâncias entre uns e outros maiores e os mecenas cada vez rareando mais”, conclui. Essa dificuldade em tocar futebol hoje também recebe eco no posicionamento do esportista e vereador Faria Neto. “Como sobreviver hoje. A sobrevivência dos pequenos hoje depende de uma reengenharia financeira do esporte, inclusive com gestões mais responsáveis. E os mecenas estão em extinção“, diz esse. Passa pelo grupo, o ex-presidente Caio Coube e lhe pergunto se colocou dinheiro do bolso no Noroeste. Sua resposta: "Pouco, no meu caso menos de uns R$ 50 mil reais. Estive à frente do time numa época onde ainda conseguia recursos altos dos bingos e isso ajudou muito. E o empresariado ajudava mais”. Minha última carteirinha de sócio do Noroeste tem a sua assinatura.

Num certo momento Paulo é chamado à frente para o cerimonial da noite e junto dele outros o seguem. João Bidu, vice no período Damião, ex radialista esportivo e hoje manager da editora Alto Astral e Toninho Gimenez, quem verdadeiramente dá e tira as cartas no cenário noroestino atualmente, junto de toda a diretoria recém eleita e indicada por ele. Paulo é político e polido, fixa tudo na esperança de dias melhores e no tema do seu livro. Tudo ocorre sem traumas e até os integrantes da torcida organizada Sangue Rubro, em bom número por ali estão esperançosos com o que pode vir pela frente. "Pior do estava não pode ficar" apregoa Pavanello, um dos seus líderes. Sobre essa falta da paixão nos tempos atuais, Paulo rebate olhando para os torcedores, todos de vermelho, as cores do time e saca: “Olho para eles e constato a esperança. Esses não desistiram de torcer e acreditar”. Luciano Dias Pires, octogenário editor do Bauru Ilustrado tira uma foto do grupo onde me encontro e saca uma das suas: “Daqui há vinte anos você sairá numa edição”.

Olhando para os lados uma constatação, nenhum jogador dos últimos tempos, só os da velha geração, todos também de eras anteriores aos mandatos de Damião Garcia. Boleiros idem, gente de um quilate de Gualberto Pires, outro que veio de Sampa e aqui ficou, formou-se, deu aulas e fixou residência. Cacá, filho do radialista Galvão de Moura, hoje fora do microfone, outro a observar tudo à distância, sem arroubos comparativos do ontem e do hoje. Alguns jornalistas do microfone atual, como Emerson Luiz, da Auri-Verde, esse entusiasta do que renasce, talvez vislumbrando anúncios publicitários para a empresa onde atua. De outro lado, torcedores não vinculados à torcida organizada, como o sorveteiro Vicente, que ganhou um livro na impossibilidade de compra-lo (a renda da venda está sendo toda doada para a entidade social, a Sorri). João Francisco Tidei de Lima, professor de História hoje registra numa coluna semanal no Bom Dia os tempos de antanho do futebol e muito consultado, é uma memória viva do passado. A TV Tem enviou equipe para registrar o evento. Netão, irmão do autor do livro, também no metiê jornalístico e de outro grande do microfone, o Sica, falecido recentemente, fez o trabalho de circular de grupo em grupo, abrir novos papos, reverenciar o vivido pela maioria dos ali presentes, a tal da época que foi brilhante e não volta mais. Acredito que isso é o mais importante ressaltado no evento, a era Damião foi importante, mas mais que ela a anterior, muito mais significativa e a mesma de muitos ali presentes, quando o futebol tinha outras características. O modus operandis era outro.

Paulo estava mais feliz que pinto no lixo, um belo sorriso exposto em todas as rodas. Um gentleman na recepção aos seus convidados. Sabe agregar, soube o momento de lançar sua obra, soube reunir pessoas, fez tudo certinho. Produziu um registro interessante, desapaixonado e sem ter ido ao estádio uma só vez no período retratado. Trata-se de um observador à distância, porém sem perder o foco. Acreditava difícil isso, mas observando a imensa maioria dos ali presentes, fiz uma pergunta para mim mesmo: Quantos dali não estão na mesma situação do Paulo, quantos ainda vão ao campo assiduamente? Poucos, tão poucos que, com certeza, dariam para serem contados nos dedos das mãos. E todos falaram do Noroeste de ontem, o de hoje e o de amanhã. Na saída, ao cumprimentar o autor, sempre muito sorridente, Paulo me pergunta: “Já cumprimentou o Cafeo?”. Digo que não, "não tive a oportunidade". Explico, Reynaldo Cafeo, comentarista econômico da 94FM é defensor intransigente das leis que regem o mercado atual e eu me vejo na trincheira contra esse poder indiscriminado do dinheiro. “Mas precisam”, me diz ele. “Cafeo é amante, ideólogo da economia de mercado e você, bem você...”, fica sem concluir a frase, buscando lá no fundo como poderia melhor me definir. Adorei o “boca do inferno”, porém sei não ser merecedor de tamanha honraria, mas prometo tentar o sê-lo, pelos menos nas redes sociais. E também noroestinas, mas sem nenhuma pretensão.

3 comentários:

Anônimo disse...

Belo registro Henrique, texto e fotos! Obrigado pela citação. abs.
João Francisco Tidei de Lima

Anônimo disse...

Parabéns, mais uma vez, Henrique. Do jeito que você relatou parece que eu estive lá! Um forte abraço e não se desleixe da virtude do seu apelido, lembrado pelo Paulo: "boca do inferno"!
Célio

Anônimo disse...

viva o norusca
até sexta
Paulo Humberto Loureiro, o carioca