quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

DIÁRIO DE CUBA (73)


COMO NOSSA MÚSICA E MÚSICOS SÃO TÃO PARECIDOS COM OS CUBANOS – E ALGO DAS RELAÇÕES ENTRE EUA E CUBA

Primeiro escrevo sobre o momento atual de CUBA, a ilha caribenha convulsionando a cabeça das pessoas que não atinam para as belezas de suas contradições, depois junto o que existe em Cuba, uma irradiante e periférica alegria, com algo possível por alguns diletos lugares. Quero juntar histórias, uma prosa dessas para aproximar os desaproximados, para tentar misturar o óleo com água. Vamos ver se consigo.

Começo com o programa TV Repórter, responsabilidade de Caco Barcelos, um jornalista dentro do padrão Globo de qualidade pelo qual nutro respeito e admiro. Sua equipe esteve em Cuba e gravou por alguns dias algo sobre o momento atual de Cuba. Não dá para falar em falta de liberdade na ilha. Ninguém foi impedido de nada, gravaram o que quiseram. Basearam as gravações no trabalho de um cineasta espanhol que há vinte anos grava imagens sobre os que decidem abandonar a ilha via mar. Não vi menção dele ser cerceado em fazer seu trabalho. Daí, onde estaria a tal propagada falta de liberdade? Pura balela. O que vi no programa foi um país pobre, vivendo dessa forma, mas com muita dignidade e diante de um bloqueio econômico a lhe impedir quase a respiração. Sobrevive assim e bem. Dos que saíram ou fugiram, algo me chama a atenção, vi isso na declaração de alguns, das diferenças dentre o que tinham, como era tratados e como é a coisa fora de seu país. Tudo é diferente lá fora e muitos vivem pior do que lá dentro, inclusive como homeless. Exceções existem e os abastados também foram mostrados no programa. Saldo positivo para Cuba, pois quem quer sair hoje não é impedido.


Isso posto tenho lembranças das mais agradáveis dos 30 dias em que lá estive, ano de 2008, quando além do mostrado na TV, algo mais me cativou. O calor humano do povo, a musicalidade expressa em cada gesto, a alegria do viver bem e com pouco, sem supérfluos, mas nunca sem o básico. Pobreza é uma coisa, miserabilidade é outra. Em Cuba não existem miseráveis, nem mendigos, muito menos gente passando fome nas ruas. Essa uma imensa diferença entre lá e os países do bloco capitalista. Algo que me espanta é a musicalidade fluindo de onde você menos espera. Circulando pelas ruas ela surge assim sem que se possa imaginar. Flui e te atrai. Fui ao encontro desses sons quando lá estive e me surpreendi vendo gente tocando alegremente em fundos de quintais, debaixo de velhas marquises e mangueiras. Assim do nada, algo arrebatador. Essas rodas de samba que vemos nos bares brasileiros, isso é corriqueiro por lá e não só em bares, mas nos mais diversos lugares. Vejo aí algo muito próximo disso ocorrendo nas periferias brasileiras, em entranhas ainda não totalmente desbravadas pela sapiência cultural brasileira. Escrevo disso.

Ontem, 17/12, quarta à noite, Bar do Aeroporto, capitaneado pelo amigo Ico e por lá nas últimas quartas um projeto antigo sendo revivido, a reunião de músicos, todos apaixonados por um ritmo contagiante e inebriante, o chorinho. Ico ainda não definiu o nome do projeto, mas ele já tornou-se um enorme sucesso. O Bar Aeroporto está dentro do antigo Aeroclube, lá nos altos da Octávio Pinheiro Brizolla, no nostálgico e original aeroporto, um que nunca deveríamos ter deixado ser destituído da posição do verdadeiro aeroporto de Bauru. O espaço lá é amplo, talvez o mais alto da cidade. No inverno um frio de rachar mamona e às moscas, mas no calor um dos lugares mais aconchegantes da cidade, talvez pelo vento sempre presente. Saudosista, com aquela arquitetura anos 30, barulhos de aviação ao lado e um bar comandado como nos velhos tempos. Os encontros ali propiciados são mais do que um marco, mesmo que seus idealizadores não o percebam. De algo simples, reunindo chorões, está se transformando num ponto de encontro do que de melhor temos, algo sendo tocado ao bel prazer dos presentes, pois os músicos se renovam e dentre os presentes no dia, surge o que virá pela frente. E na surpresa o que pinta é sempre algo do bom e do melhor.

Só para se ter uma idéia da belezura do encontro de músicos de ontem conto algo presenciado. Um casal de músicos é de Avaré, distante 150 km de Bauru conhecendo muitos dos músicos daqui e tomando conhecimento pelas redes sociais do evento, decidiram vir não só presenciar, mas participar. Chegaram lá pelas 19h e só saíram, contentes demais da conta, bem depois das 22h30 e daí pegando a estrada de volta. Esse tipo de coisa é possível por causa desse maravilhamento da música, do tocar junto de pessoas da mesma estirpe. Eram três mesas agrupadas e em torno delas foram chegando os músicos, alguns com seus violões, sanfona, pandeiros, trompete, escaleta, cavaquinho, tambores e outros. Tinha espaço para todos eles. Surgiram os que cantam. Num certo momento os vejo gritando para uma das mesas: “Denise vem cá!”. E Denise Amaral foi até eles e cantou uma, mas não foi só, arrastou consigo outra bela intérprete do cancioneiro bauruense, Audren Victório. A noite por ali fluiu desse jeito. Conheço alguns dos músicos ali presentes, mas serei indelicado ao citar o nome de alguns e não os de outros, que não conheço, ou até conheço musicalmente, mas não sei seus nomes. Peço a algum dos músicos para identificar nos comentários desse texto o nome de todos, dando crédito aos que estiveram nessa quarta encantando todos os presentes.

Encerro esse escrito diário, juntando algo que alguns abominam, a similaridade musical entre o Brasil e Cuba, esse congraçamento de tocarem despretensiosamente em tudo quanto é tipo de lugar. Vejo isso com imensa alegria e jubilo, pois é inconteste isso de você ir num bairro qualquer de Havana e lá adentrar um quintal e ver um grupo animado tocando que é uma maravilha, todos em trajes mais do que populares e ao mesmo tempo ir à Zona Norte carioca e presenciar num daqueles bares bem suburbanos um grupo muito parecido ali reunido e cantando e tocando de tudo. Eu consigo enxergar isso e me encanto com essas possibilidades cubanas e brasileiras. Daí me vem à cabeça a aproximação ocorrida entre os EUA e Cuba e tudo o que vimos de maldade sendo citada sobre Cuba, que o tal porto de Mariel era a maior insanidade de planeta e hoje, vindo da imprensa norte-americana, algo afirmando que esse porto poderá ser no futuro o grande divisor de águas, um quase obrigatório porto de passagem dos navios do mundo todos. Daí, dou sonoras risadas em ver como reagirão os que criticaram de forma tão bestial o fato do investimento brasileiro por lá. Sei que muitos criticam até isso que escrevi, que não existe nada de comum entre nossa música e a cubana, mas aí já é demais da conta e com gente eu não discuto mais. Fico com a universalidade da música e ponto final.

4 comentários:

Anônimo disse...

todos cada um com seu talento especial buscando 'somar no todo' isso é o que mais admiro nos músicos da roda de choro. A galera chega em um clima de amizade, cada um toca o choro que gosta e estudou em casa, a roda de choro serve para colocar esses choros em prática, ampliar repertório também, conhecer outros músicos, dela surge um universo de som, nos traz aos ouvidos uma época que não vivenciamos mas que a música resgata e nos ensina, é um aprendizado sem fim, como diz o amigo Leandro Miguel a roda de choro é uma escola. ...aprendi alguma coisa com ele, com o Binha Thomaz, Marli Nunes, Guilherme Soares, Renan Bragatto e com todos os músicos da roda de choro, cada um nos ensina de alguma forma, com palavras ou como exemplo.
Eduardo Guarnetti Johansen

Anônimo disse...

Obrigado meu amigo...vc é bom d+.
Valter Nabeiro

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:

Henrique Perazzi de Aquino Eduardo Guarnetti Johansen e Denise Amaral, conto com vocês para identificar todos os presentes. Se possível deixe o nome de todos os músicos lá presentes naquela maravilhosa noite.
19 de dezembro às 09:32 · Curtir · 2

Eduardo Guarnetti Johansen Nossa!! que beleza essa matéria!! os nomes são Flavio Calamita e Erica de (Avaré) e Leandro Miguel, Anderson De Paula, Neto Teixeira, Valter Nabeiro, Marli Nunes, Odair Felicio, Renan Bragatto os músicos Bauruenses que tocaram nesse dia Henrique
19 de dezembro às 09:57 · Editado · Descurtir · 3

Wellington Leite Olha, vou começar a ir no aeroporto às quartas, hein? Muito bom saber que o choro ainda pulsa na cidade!
19 de dezembro às 09:58 · Descurtir · 3

Denise Amaral Noite sensacional....!
19 de dezembro às 09:58 · Curtir · 1

Eduardo Guarnetti Johansen Bacana Wellington! vai voltar à partir de Janeiro as quartas
19 de dezembro às 09:59 · Editado · Descurtir · 2

Eduardo Guarnetti Johansen
19 de dezembro às 09:59 · Curtir · 1

Henrique Perazzi de Aquino Duas semanas de folga da companhia, pois próximas quartas caem no Natal e passagem de Ano. Aquilo é um deslumbre...
19 de dezembro às 10:02 · Curtir · 3

Wellington Leite Valeu, amigos!
19 de dezembro às 10:06 · Descurtir · 2

Henrique Perazzi de Aquino Wellington Leite, depois nos conte sobre os sons uruguaios que deve estar desvendando por aí, né!!!
19 de dezembro às 10:14 · Curtir · 2

Rosangela Maria Barrenha E eu não fui! Snif
19 de dezembro às 10:16 · Curtir · 1

Wellington Leite Eu fiquei encantado com o candombe. E, numa praça, ouvi candombe-jazz, muito próximo ao samba-jazz. Aí passei a ouvir tudo aquilo com fervor, mas não encontrei discos porque estava atrás de uns livros difíceis de achar (o que tomou todo meu tempo pelas livrarias, sebos e feiras livres).
19 de dezembro às 10:20 · Curtir · 2

Vera Padilha Muito bom mesmo Henrique!!!! Amei sua crônica.
19 de dezembro às 11:17 · Curtir · 1

Odair Felicio · Amigo de Denise Amaral e outras 8 pessoas
Obrigado Henrique por valorizar o Choro e divulgar.
19 de dezembro às 11:50 · Descurtir · 5

Valter Nabeiro Henrique,estou feliz por ter te conhecido, quarta feira no chorinho do bar do aeroporto,voce tem muita sensibilidade ,parabéns pela escrita e obrigado por escrever sobre mim .
Ontem às 13:37 · Descurtir · 2

Marcelo Caldeira · 26 amigos em comum
Falta de liberdade em Cuba? Não!!!! Pode sair do pais num bote se topar o risco....BALELA?
23 h · Curtir

Henrique Perazzi de Aquino Marcelo Caldeira, se o cara quer sair que ao menos saiba dos riscos de sair num bote. Não quer que o país pobre ainda pague a passagem do mesmo em primeira classe, não? Aqui não é diferente. Já se informou como se processaram algumas das viagens do pessoal que quer entrar clandestino nos EUA, vão em pior situação que os balseiros.
10 h · Curtir

Marcelo Caldeira · 26 amigos em comum
Eu falo da falta de liberdade para SAIR da ilha...a princípio todos teriam vistos de SAÍDA desde 2012 ( antes NÃO ). O controle agora é na emissão dos passaportes, médicos são commodities para exportação e estão proibidos de sair livremente, assim como engenheiros, e atletas!!!!!!! EEEEE você compara com a tentativa de ENTRAR ilegalmente sem USA visa? Muito lógico.
8 h · Curtir

Henrique Perazzi de Aquino E eu falo disso de só enxergarem isso em Cuba, meu caro Marcelo Caldeira. Aqui mesmo existe uma brutal censura, a de tudo existir, mas poucos poderem ter acesso a elas. Quer pior censura que essa? As pessoas criticam Cuba, mas pouco cita mde sua resistência e do trabalho humanitário que só eles fazem hoje mundo afora e sem isso do deus dinheiro estar por detrás de tudo. Um mundo ainda não movido pelo deus dinheiro é mesmo o mais cruel do planeta.
Agora mesmo · Curtir

Anônimo disse...

É um bocado de talento junto! Parece outro mundo, qdo a gente esse ouve povo tocar. E O bonito é ver cada um chegando e se ajeitando e do nada saindo mais um lindo som e em harmonia! Isso bem merece um documentário! Né Henrique Perazzi de Aquino e Ana Bia Andrade, e quem mais se interessar!
AUDREN RUTH