sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (83)


UMA ESQUINA CARIOCA*
* Uma história realmente acontecida, num dia desses, lugar certo e sabido e aqui relatada como forma de eternizar esses encontros tão maravilhosos na vida de qualquer ser humano:

Venho eu todo pimpão descendo uma rua no velho centro carioca, no pedaço próximo ao cais, trecho inicial da Teófilo Ottoni, quinta passada, 25/02, esquina com recuerdos de antanho, desses de não se acabarem mais. Impossível deixar de olhar boquiaberto para o alto, aquele calçamento em paralelepípedo, estreitas ruas, tudo lembrando o que existe de história naquele trecho. Distraído, com as duas mãos ocupadas, numa delas uma pesada bolsa com meus pertences e noutra uma caixa, mobilidade reduzida, sou chamado por alguém e perco a concentração:

- “Ei, o senhor aí de vermelho (sim, continuo teimando em andar de vermelho, mesmo com as recomendações em contrário). Ei, sim, o senhor mesmo”, me diz um ambulante, senhor na faixa dos 60 anos, com jaleco também vermelho e diante de um carrinho de guloseimas ali estacionado (sic) no meio fio.

Olho para os lados me certificando de ser comigo mesmo e diante de nenhum eminente perigo (eram umas 16h) me dirijo até ele:

- Sim, é comigo? Que deseja?

- Me desculpe a intromissão. Ao vê-lo absorto, olhando para todos os lados, pensei num primeiro momento tratar-se de um sujeito normal, mas daí pensei, um sujeito normal não olha mais para os prédios como faz. Todos passam muito apressados, sem tempo para nada. Fico aqui o dia quase todo e de uns tempos para cá passei a observar os que ainda se dignam a olhar o entorno com outros olhos. O Sr, por acaso, é de fora?

Ri, confirmo, digo também dos meus muitos retornos por ali e de uma nunca satisfeita vontade de admirar, cada vez mais, os cantos e recantos cariocas, talvez algo adquirido de um velho cidadão daquela cidade, José Pereira de Andrade, advogado e procurador do município, meu sogro, visionário como eu.

Ele também ri, pega num dos meus braços e me diz quase sussurrando, mesmo ninguém aparentemente estar nos ouvindo:

- Continue assim, mas tome lá seus cuidados. Olhar para o alto tem lá seus perigos, agravados hoje pelo vermelho de sua vestimenta. Quando juntos, essa sensibilidade com a cor vermelha só pode dar coisa boa. Eu padeço por usá-la, gozam muito, mas não troco por nada. Siga seu caminho, muito cuidado com as pedras no caminho. Esse país, meu caro, tem vermelho de pouco e desbotados de montão. Nós é que fazemos a diferença.

E mais não me diz. Chega um cliente, ele me empurra para seguir meu caminho. Abobalhado me vou, não sem antes parar pouco à frente e tirar algumas fotos na tal esquina, porém, nenhuma dele. Achei deselegante identificá-lo assim nem mais nem menos.

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