domingo, 9 de março de 2025

RELATOS PORTENHOS / LATINOS (143)


ALGO MAIS DISSO TUDO
Eu estou com 64 anos, prestes a completar 65. Faltam apenas três meses. Neste ano, além de tudo, estarei me aposentando. Sim, eu ainda não consegui me aposentar. O culpado foi eu mesmo. Deixei criar um buraco no meio da minha contribuição e quando me dei conta e voltei a pagar, era tarde, mudou a legislação e só conseguiria fazê-lo aos 65. Tenho até tempo de contribuição, comecei trabalhar muito cedo. Meu primeiro registro em carteira foi aos 13 anos, na fábrica dos Shayeb, a Cintos América e Meias Terra Branca. Eles ainda estavam na Joaquim da Silva Martha, os velhos comandavam o negócio. Eu não parei mais e pelo que me entendo, continuo aí, não só aprontando das minhas, mas tentando me mostrar útil e botando muito a cara para bater.

Eu não me mostro e estou enfurnado na luta neste país por motivo outro que não seja o de, com alguma mudança, a coisa melhorar para a maioria do povo brasileiro. Eu fui tentando ao longo do tempo ser, fazer e acontecer. Hoje, olhando pra trás, não me arrependo de muita coisa que fiz. Claro, fiz cagadas, pisei em ovos, mas também acertei bastante e nunca me posicionei ao lado dos destratores deste país. Olho para traz e isso me traz orgulho. Eu quero mais coisas para o todo, o coletivo, a massa ocupando seus espaços, sendo melhor valorizada e conquistando coisas. Dessa luta, me tacham de comunista, socialista ou qualquer outra coisa. Eu, num certo período de minha vida, após ter teado cursar Tecnologia da antiga FEB, depois Direito na ITE, resolvi cursar História, época da USC e lá me encontrei comigo mesmo. Fiz parte de uma turma de gente, a maioria como eu, desbravadores deste mundão pelo seu lado social. Assim como lutei e luto, vejo muitos destes ainda na lida e com posicionamentos muito iguais aos que tive ao longo da vida. Somos, na verdade, parte de um time que clama e coloca o bloco na rua em busca de mudanças estruturais. 

Eu, hoje olhando para trás e depois de consequir, conquistar uma viagem de sonho, 22 dias percorrendo lugares, a maioria nunca antes pisados. Sei que, diante de tudo o que vejo acontecendo à minha volta, sou um privilegiado. Daí, quando eu me mostro por aqui por inteiro, fazendo questão de postar os lugares onde consegui pisar, não faço para me mostrar. Sim, acabo me mostrando, mas a vida hoje é isso, uma exposição de como somos, fazemos e acontecemos. Escrevo isso tudo, numa mistureira meio sem pé nem cabeça, mas é isso mesmo. A vida é esse encaixe, essa conquista, somatória de proposituras, muitas dando certo, outras erradas e quando a coisa dá certo, por que não deveria dizer isso ao mundo? Eu digo, porém, tenha certeza, continuo e muito com os pés nos chão. Fiz e faço de minha vida não essa realização pessoal aqui exposta em minhas publicações e escritos. Tem também um lado de luta e nele, podem perceber, está declarado o lado onde me encontro. Eu viajo, escrevo, escrevo muito, ainda trabalho, ao meu modo e jeito, porém, mesmo sendo um privilegiado, nunca me verão tendo algum tipo de posicionamento em detrimento da luta, na qual estou enfronhado desde muito jovem. 

Essa luta da vida é assim mesmo. Acertos e erros, mas o bonito é deitar, colocar a cabeça no travesseiro e constatar não ter feito nada pra prejudicar ninguém, não ter sacaneado com o semelhante e continuar lutando. Na luta você conquista muitos amigos, que pensam e agem como você, mas encontram outros tantos, lutando também, por outros caminhos. Acho que quem acompanha bem de perto como se dá a vida humana, pelo sequencial promovido por cada um ao longo de sua existência, dá para perceber o quanto a pessoa agiu certo, errado, pisou no tomate e cometeu barbaridades. Eu me orgulho pela forma como escolhi. Não foi fácil chegar até aqui. Chegou, hoje carrego comigo uma diabetes, essa me moldando prum lado ruim, degenerativo e não tenho conseguido me livrar dela. Ela deve encurtar bocadinho minha existência. Nem sei quanto me resta de vida, ninguém sabe, nem eu nem o Elon Musk. Pelo menos isso. De minha parte, minhas conquistas me tornaram um ser feliz, realizado. Ainda consigo fazer muita coisa que quero, sem me humilhar para conseguí-las. Isto é mais que um grande feito. As barreiras neste mundo são imensas e para transpô-las, não existe um roteiro. No meu caso as coisas foram acontecendo, tive muita sorte em alguns momentos, conheci as pessoas certas e cá estou, ainda me considerando livre, leve e solto.

Quero me contemplar muito mais daqui por diante. Reverenciar o que já conquistei e continuar lutando contra as desigualdades, todas elas. Eu sei que não irei mudar o mundo, mas se fizer a minha parte, estarei de bem comigo mesmo e posso ajudar de alguma forma. Milito na esquerda, sou petista, ateu, plebeu, fariseu e tento, ao meu modo e jeito, tocar a vida adiante, dando o meu quinhão, me expondo para isso, sem medo de ser feliz. Agora mesmo, quando 24 horas atrás estava na Europa, agora já de volta pra minha aldeia, o lugar onde nasci, cresci e vivi a maior parte de minha vida, acordo no meio da noite, sem o compromisso e obrigação de ter que acordar na manhã da segunda, pegar no pesado e ralar pra sustentar a própria sobrevivência. Tenho o suficiente para continuar tocando a vida em frente e isso me basta. Eu só quero da vida isso de poder continuar indo pela aí, ainda com gás para construir algo mais, pois vejo que meu ciclo ainda não se encerrou. Portanto, continuarão me vendo na lida e luta. Isso fez e faz parte de minha atribulada vida. Eu gosto de mais da conta de ruar, sair pela aí, vento no rosto, vendo as coisas acontecerem como elas se dão e ir tentando mostrar e incluir gravetos que podem pegar fogo. A vida é uma luta, mas é também isso de conseguir desfrutar de algo e fazer o que se gosta. 

Conquistei meu Mafuá, um espaço só meu, onde guardoi minhas preciosidades e ali, meio que apartado do mundo, sento, reflito, escrevo e viajo no tempo e no espaço. Ali é minha capsula do tempo. Quando estou lá no meu cantinho, no meio das coisas que gosto é meio que estar em transe, sair de um mundo e adentrar outro. Outro privilégio, conquisitado com a herança deixado por meus pais a mim. Vendi o lugar que tanto amei e fui criado, a casa na beira do rio, após não aguentar mais as enchentes e hoje, num outro lugar, menor, porém com a mesma concepção. No outro conseguia reunir mais gente, neste fico mais sózinho, eu e minhas coisas. Ainda jogo na loteria e se ganhar uma considerável grana, compro um imóvel grandão e irei promover congraçamentos coletivos. Meu modo de não me aquietar. No momento, o sono está voltando, encerro meu escrito e vou dormir mais um pouco. Depois, quando o dia raiar, vou começar a desfazer do conteúdo das malas da viagem. Irei dar destino para tudo o que trouxe. Pequenas preciosidades e assim, dia após dia, estarei por aqui, enchendo o saco de muitos, cutucando outros e vivendo intensamente. Eu sempre vivi intensamente e não será agiora, quando a aposentadoria me bate à porta, que mudarei tudo, colocando uma cadeira na beirada da calçada onde moro e ali, sentado, ver tudo acontecer e só olhandoi, sem participar do furdunço. Furdunceiro que se preza não aquieta nunca o facho.
OBS.: Nas fotos, algumas minhas na última viagem, sózinho, sem a Ana Bia, minha companheira de trajetória e de vida. Depois escrevo também dela e da loucura de uma vida a dois. 

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