quarta-feira, 13 de março de 2024

MEMÓRIA ORAL (303)


A DESPEDIDA DO MAFUÁ, CHARLES E UM ARREDIO GATO
O Mafuá como sabem foi a casa dos meus pais. Herdada por mim, ali vingou um projeto de vida onde reuni tudo o que pude ir juntando ao longo do tempo, como livros, discos, CDs e papéis, muitos, todos conservados como pude na beira do intempestivo rio Bauru. Alguns anos sem enchente, noutros com várias e assim perdi muita coisa, logo juntada novamente. O tempo passou e cansei, eu e Ana Bia arrumamos outro lugar e para lá levei tudo o que podia. Um pequeno apartamento próximo de nossa morada, onde ainda tento dar a minha cara para algo onde pretendo passar minhas horas de lazer e contantamento ao lado de tudo o que gosto. Sei que, sou um privilegiado por conseguir juntar, ter e manter um lugar assim. Em breve inauguro o Mafuá Dois, local muito menor que o atual, porém o que consegui e nele sei estarei muito feliz.

Isso é a parte boa de tudo. Por outro lado, desde que o Mafuá é mafuá lá vive meu cão Charles, hoje com 14 anos de vida, um verdadeiro cão anfíbio, como a Ana sempre diz. Consegui depois de tudo vender o imóvel e sairei de lá em definitivo nos próximos dias. Nem deu para fazer uma despedida e quem foi por lá, sabe das histórias ali vivenciadas, desde as festas, reuniões, encontros e tudo o mais. Proporcionou efervecência e das melhores. Fez história enquanto tive jeito, paciência e malemolência para ir tocando a casa. Com a pandemia tudo piorou e resolvi me desfazer do imóvel. Sabia dos problemas que teria em trazer Charles para morar num apartamento, sendo ele um lindo caramelo de médio porte. Pensei, matutei, testei e cheguei na conclusão: não daria certo.

Pensei em vários planos B, C e até D, porém nenhum deu certo e cá estou a dois dias de entregar a casa e depois de tirar praticamente tudo da casa, lá permanece meu fiel amigo Charles. Ele vai o último a sair e, com certeza, irá permanecer ao meu lado, mas ainda não tenho definido muito bem como. Nem penso em abandoná-lo, ainda mais justamente agora, ele velhinho e olhando para mim com aqueles olhinhos. Só pela festa que faz nos meus dois ou três retornos diários por lá, impensável me desfazer dele. Ainda matuto e sei, se não ocorrer algo em definitivo até entregar a casa, algo surgirá e permaneceremos os dois velhinhos juntos, até um se despedir do outro.

O Charles é parte do que tenho pra resolver. Agora tem também um gato. Este selvagem, não violento, pois sabe que diariamente lhe dou comida, deixa eu chegar próximo, mas sem lhe tocar. Quando mostra os dentes em minha direção, mais quero dele se aproximar e conquistar sua confiança. Sei que isso não dará tempo, pois entrego a casa na sexta. Ele é o último que sobrou de vários que ficaram gravitando no entorno do quarteirão, após uma vizinha se mudar, levar uns quatro gatos com ela, deixando outro tanto por lá. Dizem que gato se vira e sei que, a coisa não é bem assim. Dos quatro restou este, pois todos os demais, sumiram ou morreram. Trato deste e peguei amor, igual ao com o Charles. Acionei amiga para tentarmos pagá-lo com um gatil, mas levá-lo para onde? Se tivesse um local já definido para os dois, com certeza ficaria com ambos. A futura proprietária deu a entender que irá tratar do gato, mas mesmo assim busco outra alternativa. É engraçado ver os dois, cão e gato no quintal. Quando estou longe, os dois se dão muito bem, deitam lado a lado, se fazem companhia, mas quando chego, o Charles o espanta, pois quer demonstrar a mim ser o dono do pedaço. Ciumento o danado.

Cá estou nessa noite de quarta abrindo meu coração, contando detalhes que, talvezdeveria resolver sem passá-los adiante, mas o faço, pois assim como me preocupo demais com o ser humano e tudo à sua volta, penso também nestes. Escrevo isso tudo, portanto, numa forma de conhecer outros relatos, buscar soluções em conjunto, algo assim, um pensando junto com o outro e quando mais pessoas imbuídas do mesmo objetivo, talvez desponte uma solução melhor, a contemplar tudo de forma mais satisfatória. A casa ficou à venda por uns dois anos, placa no portão e nada. Agora, quando surge algo concreto, não esperava ter este tipo de problema pela frente, mas eles estão me afligindo e por pouco não desfiz o negócio por causa dos dois.

Do gato, creio eu, nunca teve um nome, mas recebe carinho e atenção. Não foge mais quando entro no quintal, só mantém distância e quando tento lhe passar a mão, mostra os dentes. Do Charles, meu velhinho querido, lindo demais vê-lo dar piruetas no quintal toda vez que ouve o barulho do meu carro se aproximando. Então, diante de tudo, creio que só terei paz e tranquilidade quando tiver ambas as situações resolvidas e contemplando uma solução onde ambos possam desfrutar de um lugar aprazível para suas vidas. Essas minhas aflições do momento - as outras são este desGoverno municipal a cada dia aprontando nova perversidade -, ambas aflitivas e pelo curto tempo até o dia fatal de deixar a casa, me atormentando de uma forma perturbadora. Cuidei do cão até agora, 14 anos de sua vida e não vai ser agora que o abandonarei. Mas, e o gato? Não tenho nem dormido direito.

OS MUITOS CÃES
Com dias aflitivos pela frente em relação às novas acomodações para meu cão, após venda de imóvel onde ele vivia, vejo pela rua como os moradores em situação de rua tratam bem os seus. Dentro do possível, é difícil encontrar um grupo destes pelas ruas sem estar acompanhado de um ou mais cães, a maioria soltos, na maior desenvoltura e não desgrudando de quem os tratam. Os danados sabem atravessar ruas movimentadas que é uma maravilha. Parei para observar um grupo na beirada do rio Bauru, avenida Nuno de Assis e vê-los todos num congraçamento alegre, me faz pensar em como do outro lado da cidade, na Zona Sul, praticamente não existem cães soltos, todos passeando com seus respectivos donos, com coleira e quetais. Na periferia, muitos destes nas ruas, livres, leves e soltos. Não existe como não comparar o tratamento de uns e outros, nos diferentes locais da cidade. Por certo, amor existe em todos os lugares e isso notei nitidamente observando o grupo na beirada do rio. São os tantos lados de uma mesma questão.

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